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TRANSFORMAÇÃO SOCIAL - Empreendedores apostam na venda de comida no estacionamento do Canarinho

Foto do escritor: CacosCacos

Atualizado: 14 de jun. de 2023


Dezenas de empreendedores movimentam a economia com vasto cardápio de comida popular a preço justo. Reportagem mostra histórias dos empreendimentos Tio Chico e D’Kache mudou a vida de quem se arriscou a ter o próprio negócio.


São mais de 30 estabelecimentos com um variado cardápio e o diferencial: o preço - Foto: Ian Vitor Freitas

Um dos pólos econômicos mais conhecidos do ramo de alimentação em Boa Vista, o estacionamento do Estádio Canarinho, reúne na principal avenida da cidade, a Ville Roy, dezenas de empreendedores que oferecem comida popular a preço acessível e garante renda a dezenas de famílias.


Com opções de comida que vão do espetinho com farofa ao hambúrguer artesanal, o espaço gera emprego na capital. Todos os dias ao entardecer, enquanto as grandes lojas da movimentada Ville Roy encerram o expediente, pequenos empreendedores começam a montar seus food trucks para o início da jornada de trabalho no estacionamento.


São mais de 30 estabelecimentos com um variado cardápio e o diferencial: o preço - quase sempre não chega a R$ 50 o prato. No local, há opções de R$ 5, como os famosos espetinhos de carne com farofa, e os sanduíches com carne artesanal, de, no máximo, R$ 45.


Até churrasco grego e o shawarma - prato típico árabe, a população encontra como opção de comida, além, é claro, de cachorro quente característico do brasileiro. Neste cenário, histórias de empreendedores se cruzam em meio ao entusiasmo por gerir o próprio negócio e mudar o contexto em que vive, e a chance que a população tem de se alimentar bem, de forma prática e com preço justo.


Uma dessas histórias é a do Handson Almeida, proprietário de um food truck que mistura hamburger e jogos de videogame. Há cinco anos ele deixou o trabalho numa empresa privada para se aventurar no mundo do empreendedorismo e conduzir o próprio negócio.


O apoio dos amigos, paixão pelos jogos e o apelido da infância resultou no Tio Chico Burguer, umas das mais famosas hamburguerias de Boa Vista e que funciona no estacionamento do Canarinho.


Sem nunca ter trabalhado com gastronomia, tendo experiência apenas em fazer hambúrguer com os amigos, Handson tinha apenas uma certeza quando abriu o primeiro ponto físico: ele não queria ser só mais um no mercado.


“Sempre tive essa vontade de empreender, mas eu não queria ser mais uma coisa genérica, não queria ser mais um. Um dia, mexendo no Facebook, vi uma temática parecida com a nossa, um cara que colocou uns videogames com a temática de games mais antigos, então eu falei ‘é isso!'", relatou Handson.


O Tio Chico nasceu em um pequeno ponto físico próprio, localizado no bairro Jóquei Clube, zona Oeste de Boa Vista. Com a temática inovadora, desde o lançamento o negócio atraiu um grande público - lá, os sanduíches têm nomes de games famosos, como o Alex Kidd, o vilão do universo Mário, Bowser, entre outros.


Porém, a pandemia da Covid-19 não estava nos planos, e foi aí que ele teve de enfrentar os primeiros desafios enquanto empreendedor.


“O que aconteceu foi que na pandemia eu não soube lidar muito bem. Antes, minha receita era quase que totalmente lá mesmo, com venda no local. Caiu muito a minha receita. A gente começou a se endividar, passou aquele tempo fechado, eu tentando segurar funcionário. Acabou que não cheguei a falir, mas eu quebrei!”, relembra.

Com o negócio parado, dívidas aumentando, e clientela cada vez menor, Handson aproveitou uma oportunidade e vendeu o ponto físico para pagar as contas. Assim como acontece num jogo de videogame que dá problema, ele precisou dar um restart no empreendimento.


Determinado a reabrir o Tio Chico, o Handson procurou a melhor forma de voltar à ativa. Foi aí que o Estacionamento do Canarinho entrou na missão. No final de 2022, o Tio Chico renascia, com o mesmo tempero e o diferencial, os jogos, só que, dessa vez, em um food truck.


“Tem sido bem desafiador pra mim, porque é uma realidade muito diferente. Isso aqui [food truck] eu tenho que montar e desmontar todo dia. Não me arrependo de maneira nenhuma! É muito prazeroso para mim estar aqui, apesar de muito trabalhoso”, afirma.

Hoje, ao olhar para trás e ver tudo o que passou, Handson se vê com a mente mais madura. Com a experiência desses cinco anos, e com consultorias do Sebrae Roraima, ele conta que agora administra o empreendimento com outros olhos.


“Agora, eu sou muito mais cauteloso nas coisas que vou fazer. Um pouco mais pé no chão. Eu não saio tropeçando nas pernas mais. Sou muito mais tranquilo para poder viver a minha realidade, estudando mais as coisas, vendo em que que a gente precisa melhorar aqui”.

Ele enxerga o empreendimento como um exemplo de batalha, com os percalços, mas a certeza de que tudo o que tem, vem do empreendimento.


“O Tio Chico para mim hoje é tudo! É meu orgulho, meu exemplo de batalha. Eu falo para todo mundo que nesses cinco anos eu envelheci dez, porque é muito trabalhoso, é um desafio diário, mas eu sou muito orgulhoso de tudo isso que eu já construí até hoje. Tenho muito orgulho também de tirar minha vida daqui, dos meus filhos, da minha esposa, a gente tira tudo daqui”.


Renascimento


Assim como a hamburgueria Tio Chico, no estacionamento do Canarinho renasceu a lanchonete D’Kache Fast Food Roraima. O empreendimento começou com Cezar Urdaneta, proprietário do D’Kache e irmão de Karina Urdaneta, atual administradora do espaço. Ambos são venezuelanos e junto com a família, vendem todas as noites comidas da culinária brasileira e venezuelana.


Fachada D´Kache - Foto: Ian Vitor

Karina e Cezar trabalhavam em empresas petrolíferas na Venezuela. Porém, com o país em crise, a situação começou a mudar. No ano de 2011 a ideia do D’Kache surgiu, depois que Cezar se inspirou em um amigo, que já trabalhava no mesmo ramo.


“Tudo foi inspiração do meu irmão. Ele tinha um conhecido lá (Venezuela) que já trabalhava com isso por toda sua vida. Ele (Cezar) copiou a ideia, compramos um trailer e iniciamos a venda. Antes do lanche, meu irmão trabalhava com empresas petroleiras, a situação de lá mudou e ele observou que tinha que ter outro tipo de produção de dinheiro para a família”, disse Karina.

O D'Kache é um empreendimento familiar desde o início. Antes, funcionava em uma praça na Venezuela. Depois de dois anos de vendas, a situação no país começou a piorar, e eles decidiram atravessar a fronteira e se mudar para Boa Vista.

Cezar já tinha visitado Roraima e quis arriscar se o empreendimento vingaria no Brasil - e deu certo.


Em novembro de 2019, pouco antes da pandemia, Cezar com seu conhecimento do local e a vontade de dar condições melhores para a família, se mudou com todos para a capital roraimense. Na bagagem, os sonhos e o que daria o dinheiro que precisavam para recomeçar a vida: o D’Kache


“Ele trouxe (O trailer) em novembro de 2020, mas em julho, ele já começou a viajar e criar o projeto de mudança para trazer trailer para cá. Havia muitos procedimentos para resolver lá, como documento, logística para passar na fronteira. Quando ele chegou, trouxe o trailer direto para o estacionamento”, relembra a irmã de Cezar.

Junto com a determinação para iniciar o empreendimento em um país diferente, Cezar enfrentou muitas dificuldades sozinho. A pandemia foi um dos momentos mais conturbados na caminhada do D’Kache e da família Urdaneta no Brasil.


“Como todo princípio nada é fácil, o pessoal daqui (Boa Vista) não conhecia muito a comida de lá. As pessoas não olhavam e falavam: ‘Oh, é algo novo, vamos comer’. As pessoas observam mais para experimentar. O começo da pandemia todo mundo precisou fechar, foi difícil porque Cezar sustentava também a família lá na venezuela”, relatou.

Ela conta que como a situação no seu país estava muito complicada, não havia mais dinheiro para comprar comida e medicação e por esse motivo ela veio para o Brasil ajudar o irmão com o lanche e buscar novas fontes de renda.


Além disso, junto com os problemas já enfrentados, o pai deles adoeceu de pedra no rim. Assim, os planos da família Urdaneta de trazer mais um trailer da Venezuela teve que ser cancelado. Eles venderam o food truck que tinham no país para custear os tratamentos do pai.


“Nesse momento eu falei com meu irmão, falei que queria vim para cá, não necessariamente trabalhar com ele, mas trabalhar com outra coisa. Queria ajudar minha família e a cirurgia do meu pai. A pandemia estava perto de acabar e passei a fronteira por meio das trochas [rotas não legalizadas] e acabei chegando aqui”, informou Karina.

Atualmente, além de ajudar com o funcionamento do D’Kache no período da noite, Karina é manicure no horário da tarde. Com o esforço dos dois irmãos, e da família que mora em Boa Vista - todos ajudam a manter a lanchonete em pleno funcionamento.


“Agora toda a minha família está aqui, minha mãe, pai, irmã e filha. Meu pai está bem da doença que tinha, graças a deus. Depois de um ano de pandemia, as vendas melhoraram muito, as pessoas começaram a conhecer o lanche e a falar que era muito bom. Fizemos um empréstimo aqui e pagamos todo o precedimento do meu pai”, destacou.

Dessa forma, desde seu começo no estacionamento do canarinho, o D’Kache continua atendendo a clientela com cinco pessoas da família Urdaneta e ainda gera emprego: eles têm três funcionários.


Os principais pratos servidos na lanchonete são pepitos, hambúrgueres, patacón (banana verde frita), cachorro quente e enrolado (pão árabe). Muitos clientes já conhecem como é a comida, e graças ao tempero especial, continuam voltando para comer no D’Kache.



‘Sabor de infância’


Cliente assídua no D’Kache, a autônoma brasileira Karol Ribeiro já morou por 11 anos na Venezuela. Ela vai à lanchonete para relembrar os sabores e temperos da comida que fez parte da infância.


“Eu vivi 11 anos na Venezuela e está aqui no Brasil e poder relembrar as comidas que comia na minha infância é muito bom, traz uma nostalgia gostosa. O espaço aqui é muito aconchegante também, não é a primeira e nem a última vez que vou vim comer no D’Kache”, disse Karol.

Do mesmo modo, a amiga de Karol, Valdirene Silva, agente de portaria, também atribuiu ao tempero especial a volta dela à lanchonete no estádio Canarinho.


“Essa é a segunda vez que venho aqui, gosto muito da carne que eles colocam e do tempero. Já vim também em outros lanches do estacionamento, acho um ótimo lugar para vim com amigos conversar, tem uma grande diversidade”, finalizou Valdirene.


Conheça o espaço do Estacionamento Canarinho


Estacionamento Canarinho - Foto Ian Vitor


Logística do local


E a organização dos empreendedores do Canarinho vai além de gerir o próprio negócio. Lá, o espaço que é de responsabilidade do governo do estado, não possui normas de funcionamento. Assim, os próprios donos dos food trucks se organizam e dividem conforme a necessidade de cada um - o mais importante, todos respeitam as regras.


“Não tem alguém que administre isso aqui, não tem uma autorização que você tem que pedir em algum lugar. Vai muito das pessoas que estão aqui já”, explicou Handson.

Mas, embora seja um espaço de uso democrático, eles enfrentam problemas, como o de energia, que às vezes cai. Eles afirmam que existem promessas de melhorias por parte do Governo de Roraima, e têm esperança que algo seja feito, afinal, a venda de comida no estacionamento do canarinho já é algo que faz parte da cidade.


“Eu encostei meu trailer aqui, puxei a energia, que é muito complicada, por que às vezes não aguenta, aí apaga tudo. Tem promessas de regularizarem, colocarem um totem com energia para cada um, e meu sonho é que isso aconteça”, diz ela, cheia de expectativas.

O governo foi procurado pela reportagem, mas a resposta não chegou até a publicação. O espaço segue aberto para caso haja atualização sobre melhorias na estrutura do espaço usado por dezenas de empreendedores que sustentam suas famílias, movimentam a economia e tornam a vida do boavistense mais prática quando o assunto é comida boa e preço baixo.


Por Gabriel Cavalcante e Ian Vitor Freitas


 
 
 

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