Dos 274 idiomas maternos registrados no país, cerca de 190 estão em risco de extinção

As línguas indígenas são a história viva. Através delas, é possível a transmissão de conhecimentos de geração a geração. No entanto, esses idiomas estão em perigo de extinção, à medida que enfrentam vários desafios gerados pela globalização.
Conforme dados do Censo Demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010, o país registrou à época 274 línguas indígenas, onde vivem 817.963 mil indígenas de 305 diferentes etnias.
Cada um desses idiomas carrega a cultura e a tradição de seus povos. São elas: práticas espirituais, culinária, medicina e, ainda, conexão com a natureza. Então, preservar essas línguas é uma tarefa importante para a proteção de uma herança. É o que ressalta o vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, Dario Kopenawa.
“Nós [indígenas] temos conexão de movimento da terra e movimento do meio ambiente e o movimento, também, dos nossos corpos humanos [...] Nós temos 9 dialetos na Terra Yanomami. Hoje, nós estamos sofrendo, os Yanomami estão sofrendo. Nós estamos sofrendo junto com a terra. Porque a terra tem a função de sustentar o conhecimento e a realidade. Sem terra, não tem cultura. Sem floresta, não tem cultura. Sem os rios, os animais, não tem cultura [...] a gente conhece esse espaço, o ecossistema da floresta. Eu vou dar um exemplo: pé de inajá. Se você cortar, não vai nascer mais. Cortou, acabou de vez. É assim que a gente vive a nossa cultura”, disse a liderança.

O ensino de línguas maternas
Segundo o Atlas das Línguas em Perigo, estudo realizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 2016, há cerca de 190 idiomas em risco de extinção no Brasil, além de 17 já extintas. O mapa foi pensado para classificar as línguas indígenas do mundo que mais correm perigo de desaparecer.
Para o professor de Língua Macuxi , Telmo Ribeiro Paulino, o ensino dos idiomas maternos é uma das soluções mais eficazes para a conservação delas. Ele leciona no município de Normandia, interior de Roraima.
“Nos últimos anos, tem sido aprovado dentro da matriz curricular das escolas indígenas o ensino da língua Macuxi, Wapichana e outras línguas daqui do estado de Roraima. Então nós estamos nessa luta em levar para as nossas comunidades o ensino da língua indígena através da escola”, contou.

“Cada povo, saber falar sua língua, cada povo poder continuar com sua cultura, no que diz respeito a cantos, comunicação, diálogo e danças culturais. É isso que as escolas indígenas, nós, professores, buscamos para que o nosso povo continue com a sua cultura, com a sua língua, e que isso não se venha a perder ao longo destes anos e, futuramente, que os nossos jovens possam manter a sua língua e a sua cultura vivas”, completou Telmo.
Ouça o que o professor Telmo, que trabalha com a língua materna há cerca de 20 anos, tem a dizer sobre o desafio de ensiná-la para as novas gerações:
De acordo com a professora Ananda Machado, que coordena desde 2009 cursos que ensinam língua e cultura Macuxi e Wapichana na Universidade Federal de Roraima (UFRR), todo idioma é um mundo. Então, a partir do momento em que elas são preservadas, promove-se a diversidade linguística e cultural.
“As línguas têm esse papel de florescer em diversidade. São diversidades de orações, diversidades de cantos, diversidades de histórias, de tipos narrativos. Toda uma tipologia textual que cada língua, que cada cultura propõe”, pontuou.
Nesse sentido, ela salientou que o desaparecimento dessas línguas é uma perda para as comunidades e também para a sociedade e a ciência.
“A mãe não é fundamental para nós? Por isso é chamada de língua materna. Ela é fundamental, é o coração de uma cultura [...] cada língua tem suas características gramaticais, semânticas, que são únicas. Tem línguas que desapareceram sem nem a gente saber, sem ter documentação, sem ter descrição dessa língua, então a sociedade perde demais”, completou Ananda.
Em 2019, a ONU Brasil divulgou uma reportagem especial em comemoração ao Ano Internacional das Línguas Indígenas. No conteúdo, a organização destacou o trabalho do Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena, da UFRR. Desde 2009, o núcleo oferece formação profissional para indígenas. Confira na íntegra:
O estímulo ao uso cotidiano da língua e à oralidade são fundamentais. Mas além disso, também é necessário o apoio institucional. Por isso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) está providenciando a tradução da Constituição Brasileira e da Lei Maria da Penha para nheengatu, conhecida como a língua geral amazônica. A iniciativa conta com o apoio Biblioteca Nacional e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Já no âmbito do estado de Roraima, tramita na Assembleia Legislativa do Estado (ALE-RR) o Projeto de Lei (PL) 117/2023. A proposta, de autoria do deputado Dr. Meton (MDB), dispõe sobre a cooficialização das línguas Macuxi e Wapichana.
O parlamentar afirmou que o projeto busca não apenas preservar a cultura indígena, mas garantir respeito às tradições e à língua materna. Com isso, o PL visa abrir caminho para a proteção desses idiomas.
“Roraima se destaca como um dos estados com maior percentual de população indígena, que se divide em vários povos, sendo as línguas mais faladas a Macuxi e Wapichana [...] Quando se dá um status de cooficialidade ao uso dessas línguas em contextos oficiais e públicos, se reafirma a legitimidade e identidade linguística dos povos originários perante o Estado”, pontuou.
Por Ellie Makuxi e Lara Muniz
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