Com glamour e purpurina, drag queens lutam para manter viva a arte em Roraima.
Por: Caíque Rodrigues
De um lado divas performáticas, confiantes e “poderosas” e, do outro, profissionais que buscam por reconhecimento. Em meio ao preconceito e à violência em Boa Vista, drag queens lutam para manter viva a arte e a cultura LGBTQIA+ mesmo com a falta de valorização no estado de Roraima.
A arte drag se baseia em pessoas -- geralmente do gênero masculino -- que com roupas e maquiagens caricatas performam feminilidade de maneira artística. A prática é popular em todo o mundo e em Roraima, que em 2018 ficou em 4º entre os estados com maior número de crimes contra a população LGBTQIA+, começa a ganhar força.
A reportagem conversou com três artistas: Aritana Mangabeira, Natally Matarazzo e Melanny D'Leon, que contaram como é o cenário drag queen no estado mais conservador do Brasil.
'Duas pessoas em um mesmo corpo'
Drag queens costumam ser personagens criados por artistas para expressar sua arte e com as que atuam em Boa Vista não é diferente. Para Aritana -- que "divide o corpo" com o maquiador e Augusto Mangabeira, de 23 anos -- a arte drag surgiu como uma maneira de transferir vivencias pessoais para a arte após, o que ela definiu como "sofrência".
Foto: Arquivo Pessoal
"A Aritana surgiu na minha vida por conta de uma 'sofrência'. Eu tinha um tio que me incentivava muito, ele era praticamente o único que me aceitava como eu sou na minha família então o apoio dele significava muito para mim. Ele sempre quis me transformar em uma representatividade de uma forma geral. Ele sempre quis que eu tivesse um destaque. Ele faleceu em 2019".
"Eu resolvi ignorar a todos que de alguma forma me proibiam e dar a luz à Aritana, outra parte de mim. uma parte minha que nem eu mesmo conhecia", relata Aritana.
Já para Natally Matarazzo, personagem do maquiador Wirley Oliveira, de 26 anos, o intuito é criar um personagem que representasse a fé. Inspirada nas representações da orixá das águas no candomblé, Iemanjá, Natally relata que ela e Wirley são duas pessoas que dividem o mesmo corpo.
Foto: Arquivo Pessoal
"Eu já faço drag há mais de dez anos, então tenho uma história já aqui no estado, já fui Miss Roraima Gay 2013, fiquei em sexto lugar no concurso em nível nacional no mesmo ano. A minha drag tem um conceito muito particular que cativa muita gente que é a fé".
"A mensagem que eu quero passar é que quem tem fé sempre vai longe. A minha drag é sobre fé, sobre seguir, eu também sou. Eu e Natally somos duas pessoas em um mesmo corpo".
Já a drag queen venezuelana Melanny D'Leon enfrenta vários preconceitos. Vivida pelo cabeleireiro Gilber Cedeno, de 23 anos, que chegou em Boa Vista em 2018, ela une duas lutas em suas performances: contra a xenofobia e também contra a homofobia.
Foto: Arquivo Pessoal
"A Melanny surgiu da época em que eu fazia faculdade, curso de audiovisual na Venezuela. Ela era uma personagem de um curta e depois do filme ela começou a sobressair. Ela começou a se encaixar no mundo da beleza, concursos no caso. Aos poucos foi ganhando um destaque muito grande na minha vida, fazendo parte de mim. Eu sempre falo que o Gilber é o Gilber e a Melanny é a Melanny".
"Para mim a Melanny é a minha terapia, quando eu quero fugir das coisas, quando eu quero esquecer meus problemas, quando eu quero livre do mundo. Na hora que eu coloco a maquiagem e a peruca eu me sinto a melhor pessoa. Ela é uma entidade que toma posse do meu corpo e faz o que ela quer", confessa Melanny.
Mercado drag em Boa Vista
Entre as três rainhas, uma reclamação é comum: as oportunidades para drag queens são escassas na capital roraimense. São poucas casas de show que oferecem palcos para que elas possam brilhar dificultando-as de maneira financeira.
Foto: Caíque Rodrigues
Para Aritana, a falta de apoio e visibilidade é a mais dificuldade que as drags roraimenses enfrentam.
"A maior dificuldade em ser drag queen aqui em Boa Vista é em relação ao apoio. Raramente a gente tem. Tanto que o concurso Rainha da Diversidade é muito novo, foi criado em 2015. Eu acho que falta o apoio dos governantes, dos empresários e órgãos grandes para reconhecer... Nos nossos eventos a gente garante entretenimento e show de qualidade. Tem muita beleza, muito brilho, muito close, tem tudo!".
Melanny confessa que o mercado drag em Boa Vista não é "algo que compensa". Ela relata que é impossível viver da arte na cidade e, por conta do preconceito, a pouca visibilidade que ganham não é o suficiente "para que a gente se sobressaia".
"Infelizmente o mercado drag aqui não é compensativo, as pessoas não dão valor. Nem monetário e nem no sentido visibilidade para arte como um todo. São poucas as casas de show que fazem e as que fazem não dão o valor que o profissional merece. Eles acham que por ser drag não merece o mesmo valor que um cantor, isso é uma diferenciação machista".
Foto: Arquivo Pessoal
Natally destaca que a falta de apoio reflete nas dificuldades financeiras para manter os looks (figurino, maquiagem, cabelo, etc.) e os produtos necessários no que ela chamou de "montações".
"A maior dificuldade em ser drag queen aqui em Roraima é mesmo a dificuldade financeira. Boa Vista é bem longe das maiores capitais e grande centros urbanos do Brasil, onde para confeccionar nossos looks, roupas, maquiagem, seriam muito mais barato e com material de mais qualidade. Custa muito dinheiro mesmo manter um look, um conceito com a qualidade que a gente almeja aqui em Boa Vista".
"A gente vai na fé, sempre na fé, do jeito que dá e como dá".
Foto: Caíque Rodrigues
"A maior exposição da arte drag queen aqui na cidade é na época de festa junina, que é quando a gente tem mais oportunidades de se expressar, de ser o que a gente quer e fazer várias temáticas. Mas agora eu estão surgindo outras oportunidades, poucas, mas estão surgindo, de concursos, apresentações, shows...".
"Acho que é um movimento ainda fraco por aqui mas está ganhando uma força grande pois está todo mundo começando a abrir os olhos, começando a se sentir e se reconhecer como drag, como algo que você quer libertar, colocar para fora e está dando certo", destaca Aritana.
Força e determinação
Embora tenham conceitos e propostas diferentes, as drag queens roraimenses se assemelham nas mensagens de resistência e libertação. Unidas pela arte e pela luta por igualdade de direitos, elas buscam com performances passar mensagens de motivação.
Natally inclui em suas performances a resiliência e a persistência, destacando o poder da vontade e sempre seguindo com "fé em seu orixá".
"A mensagem que a Natally quer passar é a de não desistir. Não desistir jamais. Quando a gente tem um sonho, a gente tem que correr atrás. O intuito é passar uma mensagem, ser ouvida, por isso lutamos".
Já Aritana luta pela liberdade, pelo direito de escolha e pela "saída do armário". Ela encontra em sua drag a maneira de lutar contra a violência sofrida pela população LGBTQIA+.
Foto: Arquivo Pessoal
"A maior mensagem que a Aritana quer passar para o público é a liberdade. Se libertem! A gente precisa da liberdade para viver em um mundo preso, cheio de ódio, que oprime a gente no ódio, na pancada, empurrando a gente para dentro dos nossos próprios demônios. Ponham a cara a tapa e sejam felizes!".
Melanny une em suas performances a influencia latina, sempre incluindo este aspecto cultural em seu visual. Destaca o poder do feminino e a força para lutar de quem sofre e resiste.
"A Melanny já me levou muito longe, já fez me fez ser reconhecido, já fez eu ganhar status... ela é indispensável e perfeita. O que ela faz por mim é o que eu quero passar para quem me assiste e vê o meu trabalho".
Foto: Arquivo Pessoal
Para acompanhar o trabalho de Aritana, Melanny e Natally, basta segui-las no Instagram, onde compartilham atualizações sobre suas artes:
Commentaires