Vera Sábio é deficiente visual e narra trajetória de vida como mãe adotiva

Foto: Arquivo pessoal
Ainda na adolescência, Vera Sábio, de 49 anos, perdeu a visão devido à retinose pigmentar, uma doença que causa o comprometimento das células receptoras de luz presentes na retina dos olhos. Nascida em Campina da Lagoa, no interior do Paraná, Vera é mãe, esposa, psicóloga, escritora e servidora do Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR). Em entrevista para o Jornal Cacos, a profissional revelou os desafios enfrentados ao exercer a maternidade especial e o processo de acolhimento da filha adotiva, Ana Clara, de sete anos.
Vera já possuía um filho biológico de 23 anos quando foi ao Abrigo Estadual de Roraima, juntamente ao marido que também é deficiente visual, e encontrou a pequena Ana Clara, de 3 anos e 10 meses, indígena, diagnosticada com síndrome de Varadi Papp, doença rara que ocasiona deformidades ósseas, na coluna, e no céu da boca.
Quando foi adotada, Ana Clara possuía 31 dedos, pesava 12 quilos e media apenas 80 centímetros de altura. Segundo o nutricionista Aníbal Mutran, o Ministério da Saúde e a Organização Mundial de Saúde estabelece o peso ideal para uma criança dessa idade é entre 12 a 15 quilos e a altura variando aproximadamente nos 95 centímetros.
"O recomendado para crianças dessa faixa etária de acordo com as Curvas de Crescimento disponibilizadas pela Organização Mundial de Saúde, indicam o peso entre 12,5 kg a 15,2 kg podendo variar dependendo da altura", destacou Aníbal.
Entre os desafios enfrentados por Ana em relação à saúde, estava a dificuldade na fala devido à língua presa, desenvolvimento de diversas alergias e uso de sondas para alimentação, o que consequentemente afetou as formas de interação, a leitura e escrita.
"Agora, três anos depois, após muitos tratamentos, cirurgias e visitas a especialistas, nossa filha fala praticamente tudo, anda super bem, está se alfabetizando e aprendeu a nadar. Seu desenvolvimento é totalmente normal e saudável. As alergias cessaram após medicações e agora come tudo. É maravilhoso ver esse desenvolvimento”, destacou Vera.
De acordo com a mãe, uma nova vida surgiu para Ana Clara e os outros membros da família, pois conseguiram realizar a cirurgia para a retirada dos dedos extras e o tratamento para a síndrome de Varadi Papp. Atualmente, Ana Clara possui sete anos, pesa 21 quilos, quantitativo dentro do parâmetro nutricional indicado e consegue desenvolver atividades neurológicas e motoras normalmente.
“Minha filha passará por mais um processo genético em Brasília para tratamento da síndrome. Mas ela já realizou a aplicação de aparelho dentário para conter e arredondar o palato, tem consultas frequentes no fonoaudiólogo no método padovan, faz aulas de natação e possui um ótimo desempenho. É uma criança feliz e saudável”, completou.
Vera relata que devido os preconceitos sofridos na adolescência por ser deficiente visual, se sente preparada para ajudar a filha a enfrentar o mesmo, caso ocorra com ela, apesar de não ser algo tão presente no cotidiano da pequena Ana Clara.
A servidora pública conta ainda que para ela, a luta de uma mãe com deficiência visual não é tão difícil como a de uma mãe que enxerga, porém, os parâmetros de preconceito são bem maiores por barreiras impostas pela sociedade, como a falta de acessibilidade e informação sobre a pessoa com deficiência, pois ela tem a mesma liberdade e autonomia para viver que qualquer outra pessoa possui.
“Ando sozinha com minha filha, a levo nas pracinhas, pizzarias, igreja e clubes. Para nossa melhor locomoção sempre estou com a bengala e agora pela compreensão de minha filha, só lhe dou a mão, avisando que quando estiver brincando no parquinho por exemplo, fique por perto e sempre responda quando eu chamar”.
A vivência de Vera Sábio chama atenção para os ainda tímidos números de adoção envolvendo crianças com deficiência no Brasil. De acordo com o Sistema Nacional de Acolhimento (SNA), 1.185 crianças sem deficiência foram adotadas em 2022, já o número de adoção de crianças com deficiência foi de 26. No ano passado, os números eram ainda menores, uma diferença de aproximadamente 96,9% entre o número de adoções envolvendo crianças com deficiência e sem deficiência.

Foto: Sistema Nacional de adoção e acolhimento(SNA)
Atualmente, o número de crianças cadastradas no Sistema Nacional de Adoção é de um pouco mais de 4.142 crianças, dessas, cerca de 719 não conseguem encontrar pretendentes interessados porque possuem alguma deficiência ou problema de saúde. Para incentivar a não discriminação de crianças com deficiência na fila de espera da adoção, a lei 12.955, de 2014, que determina a prioridade de tramitação nos processos de adoção em que a adotando for criança ou adolescente com deficiência ou doença crônica, mas após oito anos de criação da lei, o quantitativo de adoções de crianças com deficiência cresce a passos lentos.

Foto: Sistema Nacional de adoção e acolhimento(SNA)
Ao final da entrevista, Vera deixou uma mensagem a todas as famílias que possuem o desejo de adotar uma criança e destacou o amor e respeito como um dos princípios para combater o preconceito.
"Lembre que toda criança merece e precisa de uma família, independente de como se pareçam e como estão. Pois o amor transforma sempre para melhor e só se torna pais, aqueles que adotam. A felicidade que o ato de adotar traz, só sente quem tem coragem de diminuir a quantidade de órfãos que esperam por cada um que sente a vocação para a maternidade e paternidade pense nisto”, finalizou.
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